Sempre que leio o noticiário econômico sobre empresas estatais, fico muito preocupado com a confusão de conceitos que jornalistas econômicos fazem. Como exemplo mais recente, no caso do Banco PanAmericano, muitos jornalistas de economia dizem que o governo tem a sua parcela de culpa porque, como a Caixa Econômica Federal (CEF) é acionista do banco, o poder público investiu o “nosso” dinheiro no banco quebrado etc etc etc.
Este é um ótimo exemplo da confusão conceitual. Segundo as demonstrações contábeis do terceiro trimestre de 2010, encerradas em 30 de setembro de 2010 (as mais recentes disponíveis até a data de hoje), a CEF tinha pouco mais de 400 bilhões de reais em ativos. Em uma definição simples, os ativos são os bens que o banco possui (agências, prédios, veículos, máquinas etc), investimentos em outras empresas (o investimento no Banco PanAmericano, por exemplo, é um ativo da CEF), dinheiro em caixa e aplicações financeiras e os valores que possui a receber dos seus clientes (empréstimos, financiamentos, operações de crédito etc). Logo, o Estado investiu 400 bilhões de reais na CEF e nós, contribuintes podemos considerar isto como nosso, já que o Estado recebe recursos via impostos, taxas e contribuições, certo? Absolutamente errado e vamos explicar o porquê.
Uma empresa, seja ela pública ou privada, com ou sem finalidades lucrativas, micro, pequena, média ou grande tem três, e apenas três, formas de conseguir recursos que fazem com que ela funcione (ativos).
A primeira delas é com endividamento. No caso do sistema bancário, o conceito de dívida é um pouco diferente, pois, quando nós aplicamos dinheiro no banco, via conta corrente ou aplicação financeira, é considerado como dívida, já que, assim que quisermos, podemos sacar este dinheiro e o banco é obrigado a nos pagar. Se o banco pudesse, teria todos os seus ativos vindos por meio dos nossos depósitos, uma vez que, se o banco for mal gerido, os proprietários não perderão dinheiro, apenas os clientes serão lesados. Para evitar este problema, os Bancos Centrais do mundo inteiro têm regras extremamente rígidas para que isto não aconteça.
Além do endividamento, há também a geração de lucro e caixa, onde a empresa vende seus produtos e serviços a preços mais altos do que os compra, gerando lucros. Estes lucros vão uma parte para os proprietários e uma parte fica dentro da própria empresa fazendo com que ela cresça e se desenvolva. Aqui o sistema bancário não é exceção, os bancos são uma empresa como outra qualquer que compra dinheiro (quando fazemos nossos depósitos) e vende dinheiro a um preço (juros) maior do que compra, na forma de concessão de crédito. E aqui caberia outra discussão se esta diferença de preços, chamado de spread bancário, é muito alta ou não, o que não é o foco deste post.
Finalmente, uma empresa pode obter recursos para os seus ativos coletando dinheiro dos seus proprietários. Contabilmente isto é chamado de Capital Social, um termo que remete à palavra sociedade do ponto de vista de sociedade empresarial e não de coletividade (aqui nada a ver com o conceito de capital social de Robert Putnam, por exemplo). E quando os proprietários colocam dinheiro na empresa? De maneira geral, em três situações: quando a empresa inicia suas atividades para compra de maquinários, instalações, estoque, capital de giro etc; quando há a necessidade de expansão da empresa, como, por exemplo, a recente capitalização da Petrobrás e os IPO’s realizados por diversas empresas em Bolsa de Valores; quando a empresa está em dificuldades financeiras e os proprietários precisam colocar dinheiro para cobrir esta falta de caixa, o que é extremamente ruim, pois os proprietários colocam dinheiro sem ter a efetiva compensação financeira por meio de lucros.
No caso da CEF, o dinheiro que o Estado investiu, desde 1969 quando foi criada como empresa pública (apesar de ter sido fundada em 1861), via “nosso” dinheiro, é o Capital Social que, em setembro de 2010 totalizava pouco mais de 14 bilhões de reais. E quanto representa 14 bilhões de reais no total de recursos do banco? Considerando que o total de ativos do banco é de 400 bilhões de reais, isto representa apenas e tão somente 3,5% dos recursos do banco que tiveram como origem o nosso recolhimento de tributos.
E olhem outro dado interessante. Ainda nas demonstrações de 30 de setembro de 2010, é evidenciado que a CEF detém, aproximadamente, 70 bilhões de reais em títulos públicos federais na categoria de títulos mantidos até o vencimento que, grosso modo, são os títulos que o banco não tem intenção de usar para comercialização, podendo ser caracterizado como empréstimo ao governo. Logo, conclui-se que a caixa tem a receber do Estado, via dívidas de curto ou longo prazo, 5 vezes o quanto foi investido nela, isso sem considerar o elevado montante de lucros que o banco pagou para o Governo por ser seu proprietário, o que contabilmente é chamado de dividendos.
Sendo assim, pode-se concluir que a CEF retorna muito mais dinheiro para o Estado do que o Estado investiu, logo, a CEF não usa o “nosso” dinheiro, usa o dinheiro que ela mesma gera decorrente de suas atividades operacionais. Tal raciocínio pode ser empregado também para Petrobrás, Banco do Brasil etc.
Na verdade, o que devemos ficar sempre preocupados e atentos é se o Estado não precisa injetar dinheiro nas empresas estatais para cobrir rombos financeiros ou má administração, bem como fazer o que toda empresa privada faz que é criar mecanismos de controles internos para evitar fraudes e desvios. Fora isto, podemos deixar as empresas estatais respirarem e parar com a mania de acharmos que tudo o que é estatal é “nosso”, pois, se é “nosso”, por que não podemos pegar uma parte disto para nós? E isto será assunto para um próximo artigo sobre o tema.
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