terça-feira, 16 de novembro de 2010

Entendendo o caso PanAmericano

Muito se tem falado sobre a crise do Grupo Sílvio Santos pela grande confusão que se instalou no braço financeiro do grupo, o Banco PanAmericano. Entretanto, o imbróglio ainda não foi claramente esclarecido. Vou tentar aqui explicar um pouco o que aconteceu e dar minha opinião sobre os culpados.
O que aconteceu foi super simples. Os diretores do banco "criaram" lucros. Por que? Simples, porque eles recebiam bônus (uma gratificação) em cima dos lucros do banco, logo, quanto mais lucro, maior o bônus (este problema é enorme na contabilidade e está por trás de grandes problemas financeiros, como o caso Enron ou a crise dos sub-primes em 2008 nos EUA).
E como foi feito? Aí mora o grande problema. A fraude foi, até certo ponto, simples, com venda de carteira de crédito sem a sua referida baixa no balanço. Parece complicado, mas não é. Imagine que você comprou uma casa por R$ 200.000,00 (isto é um bem que você possui, que na contabilidade chamamos de Ativo). Então, você resolve vender esta casa por R$ 220.000,00. Nesta operação, acontecem algumas coisas, você recebe o dinheiro pela venda, deixa de ter a casa e tem um ganho de R$ 20.000,00, ou seja, você tem um bem chamado dinheiro (R$ 220.000,00) e não tem mais a casa e, nesta operação, ganhou R$ 20.000,00 (entrou R$ 220.000,00 de dinheiro e saiu a casa no valor de R$ 200.000,00). Agora, vamos ao que o banco fez. Imagine que na hora de vender a casa você não tire a casa do seu patrimônio e ainda contabilize o dinheiro. Então, seu patrimônio passou para R$ 420.000,00, sendo R$ 220.000,00 em dinheiro e mais a casa (que já não é sua) no valor de R$ 200.000,00. Com isto, seu lucro é de R$ 220.000,00 pois, como você não tirou a casa do seu patrimônio, você ganhou R$ 220.000,00 sem dar nada em troca. Simples, e, até certo ponto, bastante tosco.
E, quem são os culpados? Na minha opinião, são 03:
a) os diretores, por motivos óbvios;
b) o Senhor Sílvio Santos que não promoveu uma gestão profissional no banco (agora diz que vai demitir todos os parentes do banco, fazendo uma gestão profissional - meio tarde, não?) e
c) a empresa Deloitte Touche Tohmatsu. Quem são eles? São a empresa de auditoria externa contratatada pelo banco e uma das maiores do mundo no ramo. E, por que são culpados? Simples, a função deles é garantir ao mercado e aos clientes do banco que as demonstrações contábeis são idôneas, ou seja, que os bens que estão registrados são reais. E o que a empresa disse das demonstrações do banco nos últimos 04 anos? Vou colar uma parte do parecer (para ter acesso ao parecer a às demonstrações contábeis, vá em http://cvmweb.cvm.gov.br/SWB/Sistemas/SCW/CPublica/CiaAb/FormBuscaCiaAb.aspx?TipoConsult=c e digite PanAmericano e depois DFP e aí é só consultar o ano desejado): "Em nossa opinião, as demonstrações financeiras referidas no parágrafo 1 representam adequadamente, em todos os aspectos relevantes, a posição patrimonial e financeira, individual e consolidada, do Banco Panamericano S.A. e controladas e entidades de propósito específico representadas por fundos de investimento em direitos creditórios em 31 de dezembro de 2009 e de 2008, os resultados de suas operações, as mutações de seu patrimônio líquido (controlador), os seus fluxos de caixa e os valores adicionados nas operações correspondentes aos exercícios findos naquelas datas e ao semestre findo em 31 de dezembro de 2009, de acordo com as práticas contábeis adotadas no Brasil."
Agora, as demonstrações não estavam representando a posição patrimonial e financeira do banco. Agora, a empresa pode argumentar que a fraude não era detectável. Na minha opinião, uma grande bobagem. Analisando o balanço do banco, a carteira de crédito total do banco somava, em 30/06/2010 (último dado disponível) R$ 5 bilhões e 800 milhões, aproximadamente. O banco disse que poderia não receber, aproximadamente, R$ 400 milhões. Se as fraudes nas operações de crédito somaram R$ 2 bilhões e 500 milhões, então 43% da carteira era fraudulenta. Logo, a empresa de auditoria não conseguiu pegar uma fraude de 43% do total da carteira de crédito do banco? Bem, em minha opinião, isto se chama qualquer coisa, menos um trabalho competente.
Agora, de quem não é a culpa?
a) Contabilidade: querer culpar as regras contábeis (que foram fraudadas) ou as demonstrações contábeis por isto é como processar a Engenharia porque um prédio foi mal construído e desabou. A técnica é boa, o problema é que as pessoas a fraudaram.
b) Banco Central do Brasil: os diretores fraudam a empresa, a empresa de auditoria externa que é paga para isto não cumpre seu papel e o Banco Central do Brasil é culpado? O Banco Central não é auditor de demonstrações contábeis (isto é função da empresa de auditoria), ele realiza fiscalizações periódicas. Poderia fazer fiscalizações mais intensas? Poderia. Será que é necessário? Em minha opinião, é necessário responsabilizar também a empresa de auditoria por este tipo de fraude e não sei até que ponto o Banco Central deve assumir um papel de auditor de empresa privada, quando já há gente capacitada para isto.
Bem, sei que o post ficou longo, mas o assunto é complexo e exige uma certa explicação, muitas vezes longa, sobre todos os temas que o cercam.

Um comentário:

  1. Muito boa, a explicação, ótima abordagem, muito exclarecedor.

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